O Dia de Portugal, que hoje se comemora, voltou a ser dia da raça. É o que se depreende das palavras, proferidas ontem, pelo Presidente da República.
Será isto uma evolução ou uma regressão?
Provavelmente não será nem uma coisa nem outra.
Evolução?
Evolução não é certamente. Porque raça é algo que o genoma humano não consegue identificar.
No entanto, há características que diferem entre os humanos. Foi a diferenciação que, entre outros factores, garantiu a sobrevivência da nossa espécie. Podemos classificar essas diferenciações e assim definirmos uma raça. Mas para que é que isso serve? Para continuarmos a pensar que somos melhores do que os Espanhóis? Como? Se eles é que têm os combustíveis mais baratos, eles é que ganham mais, eles não têm défice mas superavit, enfim... o povo Espanhol goza duma enormidade de vantagens quando comparado com o povo Português... será uma questão de raça? Não, não é certamente.
Por outro lado, Portugal tem investido avultados recursos no combate ao racismo. Onde o slogan "todos diferentes todos iguais" se evidenciou. Parece-nos que, uma vez mais, se desfez um trabalho longo e difícil num ápice. Até parece que se redescobriu recentemente que nós, os humanos, não somos semelhantes. Consequentemente, há uns que são diferentes, provavelmente especiais. Serão os Portugueses?... Que vivem mal, num país recheado de injustiças e desigualdades gritantes. Onde muitos emigram. E todos sabem que, na sua terra, vale mais uma filiação partidária correcta e bons amigalhaços do que o mérito de dominar uma arte, uma técnica ou um conhecimento. É o país da cunha. O que é triste e corroi a nossa auto-estima.
Sabemos o que é Portugal. Conhecemos a nossa História. Valorizamos a nossa Língua. Partilhamos Valores sociais e culturais. Orgulhamo-nos disso. Temos profissionais exemplares e geniais, espalhados por todo o Mundo. Temos orgulho neles por também serem Portugueses. Sabemos que são da nossa Nação. Mas não sabemos de que raça são. Nem sabemos o que é a nossa raça, nem as características que a definem. Por tudo isto, não percebermos para que serve o dia da raça.
Regressão?
Não, também não acreditamos que o seja. O dia da raça remonta ao antigo regime. Que mantinha, com imensa dificuldade, um império colonial. Esse regime necessitava, para sobreviver, do apoio dos povos colonizados. Desta forma o Estado Novo criou um novo facto (para além de muitos outros): o de que existia uma raça que era composta por todos os habitantes do império. Pretendia-se intensificar a integração de outros povos na Nação Portuguesa. O projecto falhou. Hoje não há império. O que invalida uma possível a regressão.
No entanto, a História Mundial está recheada de episódios em que as questões raciais foram relevantes. Por questões de raça tem-se discriminado, maltratado, torturado, matado, extreminado, ... Mas ninguém de bom senso orientaria os seus desígnios nesta direcção.
Qual será então a intenção deste regresso ao dia da raça, em Portugal?
Descubra você mesmo...
Deixamos apenas uma reflexão adicional.
Hoje, dia de distribuição de medalhas, onde se pretende distinguir alguns Portugueses, volta a ser esquecido aquele que, seguramente, mais contribuiu para o desenvolvimento de Portugal.
Alguma razão haverá para que, quando os nossos governantes se lembram do seu povo, na época das eleições, este lhes responda, maioritariamente, com a abstenção. O que, em linguagem popular, quer dizer: queres votos? toma!
por: Portugal ao Sol
2 comentários:
I
"Portugueses precisam de exemplo, mais do que de sermões"
Discurso de António Barreto em Santarém no Dia de Portugal
Dia de Portugal... É dia de congratulação. Pode ser dia de lustro e lugares-comuns. Mas também pode ser dia de simplicidade plebeia e de lucidez.
Várias vezes este dia mudou de nome. Já foi de Camões, por onde começou. Já foi de Portugal, da Raça ou das Comunidades. Agora, é de Portugal, de Camões e das Comunidades. Com ou sem tolerância, com ou sem intenção política específica, é sempre o mesmo que se festeja: os Portugueses. Onde quer que vivam.(...)
Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal gesto. Por vezes, quando o fazem, é de modo desajeitado. "As festas decretadas, impostas por lei, nunca se tornam populares", disse (...) Eça de Queirós. Tinha razão. Mas devo dizer que temos a felicidade única de aliar a festa nacional a Camões. Um poeta, em vez de uma data bélica. Um poeta que nos deu a voz. Que é a nossa voz. Ou, como disse Eduardo Lourenço, um povo que se julga Camões. Que é Camões. Verdade é que os povos também prezam a comemoração, se nela não virem armadilha ou manipulação.
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar o passado. Para utilizar a História a favor do presente. Para invocar um herói que nos dê coesão. Para renovar a legitimidade histórica. São, podem ser, objectivos decentes. Se soubermos resistir à tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências contemporâneas.(...)
Os nossos maiores heróis, com Camões à cabeça, ilustraram-se pela liberdade e pelo espírito insubmisso. Pela aventura e pelo esforço empreendedor. Pela sua humanidade e, algumas vezes, pela tolerância. Infelizmente, foram tantas vezes utilizados com o exacto sentido oposto: obedientes ou símbolos de uma superioridade obscena.
Ainda hoje soubemos prestar homenagem a Salgueiro Maia. Nele, festejámos a liberdade, mas também aquele homem. Que esta homenagem não se substitua, ritualmente, ao nosso dever de cuidar da democracia.
As comemorações nacionais têm a frequente tentação de sublinhar ou inventar o excepcional. O carácter único de um povo. A sua glória. Mas todos sentimos, hoje, os limites dessa receita nacionalista. (...) Descobrimos mundos, mas fizemos a guerra, por vezes injusta. Civilizámos, mas também colonizámos sem humanidade. Soubemos encontrar a liberdade, mas perdemos anos com guerras e ditaduras.
Fizemos a democracia, mas não somos capazes de organizar a justiça. Alargámos a educação, mas ainda não soubemos dar uma boa instrução. Fizemos bem e mal. Soubemos abandonar a mitologia absurda do país excepcional, único, a fim de nos transformarmos num país como os outros. Mas que é o nosso. Por isso, temos de nos ocupar dele. Para que não sejam outros a fazê-lo.
Há mais de trinta anos, neste dia, Jorge de Sena deixou palavras que ecoam. Trouxe-nos um Camões humano, sabedor, contraditório, irreverente, subversivo mesmo.
Desde então, muito mudou. O re-
gime democrático consolidou-se. Recheado de defeitos, é certo. Ainda a viver com muita crispação, com certeza. Mas com regras de vida em liberdade.
Evoluiu a situação das mulheres, a sua presença na sociedade. Invisíveis durante tanto tempo, submissas ainda há pouco, as mulheres já fizeram um país diferente.
Mudou até a constituição do povo. A sociedade plural em que vivemos hoje, com vários deuses e credos, com dois sexos iguais, com diversas línguas e muitos costumes, com os partidos e as associações que se queira, seria irreconhecível aos nossos próximos antepassados.
A sociedade e o país abriram-se ao mundo. No emprego, no comércio, no estudo, nas viagens, nas relações individuais e até no casamento, a sociedade aberta é uma novidade recente.
A pertença à União Europeia, timidamente desejada há três décadas, nem sequer por todos, é um facto consumado.
A estes trinta anos pertence também o Estado de protecção social, com especial relevo para o Serviço Nacional de Saúde, a segurança social universal e a escolarização da população jovem. É certamente uma das realizações maiores.
Estas transformações são motivo de regozijo. Mas este não deve iludir o que ainda precisa de mudança. O que não foi possível fazer progredir. E a mudança que correu mal.
A Sociedade e o Estado são ainda excessivamente centralizados. As desigualdades sociais persistem para além do aceitável. A injustiça é perene. A falta de justiça também. 0 favor ainda vence vezes de mais o mérito. O endividamento de todos, país, Estado, empresas e famílias é excessivo e hipoteca a próxima geração. A nossa pertença à União Europeia não é claramente discutida e não provoca um pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente.
Há poucos dias, a eleição europeia confirmou situações e diagnósticos conhecidos. A elevadíssima abstenção mostrou uma vez mais a permanente crise de legitimidade e de representatividade das instituições europeias. A cidadania europeia é uma noção vaga e incerta. É um conceito inventado por políticos e juristas, não é uma realidade vivida e percebida pelos povos. É um pretexto de Estado, não um sentimento dos povos. A pertença à Europa é, para os cidadãos, uma metafísica sem tradição cultural, espiritual ou política. Os Estados e os povos europeus deveriam pensar de novo, uma, duas, três vezes, antes de prosseguir caminhos sem saída ou falsos percursos que terminam mal. E nós fazemos parte desse número de Estados e povos que têm a obrigação de pensar melhor o seu futuro, o futuro dos Portugueses que vêm a seguir. (...)
Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos. Porque o exemplo tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista.
Pela justiça e pela tolerância, os portugueses precisam mais de exemplo do que de lições morais.
Pela honestidade e contra a corrupção, os portugueses necessitam de exemplo, bem mais do que de sermões.
Pela eficácia, pela pontualidade, pelo atendimento público e pela civilidade dos costumes, os portugueses serão mais sensíveis ao exemplo do que à ameaça ou ao desprezo.
Pela liberdade e pelo respeito devido aos outros, os portugueses aprenderão mais com o exemplo do que com declarações solenes.
Contra a decadência moral e cívica, os portugueses terão mais a ganhar com o exemplo do que com discursos pomposos.
Pela recompensa ao mérito e a punição do favoritismo, os portugueses seguirão o exemplo com mais elevado sentido de justiça.
Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus melhores. O exemplo dos seus heróis, mas também dos seus dirigentes. (...) Dê-se o exemplo e esse gesto será fértil! Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar "sinais de esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age tem apenas a fórmula e a retórica. Dê--se o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará. Dê-se o exemplo de honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários: tenham consciência de que, em tempos de excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados, mesmo em tempos difíceis.
Em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções empresariais ou políticas, o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas para o esforço de recuperação do país.
Enviar um comentário